Canibalismo Sexual: Explicando o Sexo Selvagem

As fêmeas de algumas espécies de aranhas e outros animais se alimentam dos machos após o coito. Quais serão as vantagens desse canibalismo sexual? Em sua coluna de abril na Ciência Hoje On-Line, o biólogo Jerry Carvalho Borges discute esse curioso fenômeno biológico e explica as razões científicas do sexo selvagem.
O hábito bizarro das fêmeas do louva-a-deus e da aranha viúva-negra de se alimentar dos machos durante a cópula é bastante conhecido. Recentemente a ciência tem procurado compreender mais profundamente essa forma extrema de canibalismo que pode ter efeitos significativos sobre o tamanho e a proporção entre machos e fêmeas das populações afetadas.
O canibalismo sexual ocorre quando a fêmeas matam e se alimentam dos machos de sua espécie antes, durante ou após a cópula. Essa forma de predação intraespecífica é um evento raro, descrito apenas em alguns crustáceos, moluscos, insetos e em aranhas e escorpiões, em que ele é bastante comum.
Apesar de o canibalismo sexual ser descrito quase que exclusivamente para as fêmeas, alguns crustáceos são exceções a essa regra. Nessas espécies os machos, que são maiores, podem predar as fêmeas durante o ato sexual.
Os motivos que fazem um macho se sacrificar durante a cópula podem parecer intrigantes. Esse comportamento de risco é resultante dos hormônios sexuais que levam os machos a buscar parceiras durante o período reprodutivo. Um coquetel de feromônios e comportamentos femininos voltados para atrair parceiros também contribuem para o processo.
Para as fêmeas, o canibalismo sexual pode assegurar a obtenção de nutrientes indispensáveis para a reproduçãoÉ preciso ter em mente que os interesses reprodutivos são diferentes para ambos os sexos. Para as fêmeas, o canibalismo sexual pode assegurar a obtenção de nutrientes indispensáveis para a reprodução. Para elas, portanto, os machos, além doadores de esperma, seriam vistos apenas como mais uma presa.
Já para os machos, o envolvimento com as fêmeas pode parecer à primeira vista um ‘jogo mortal’ – para eles, a predação de que são vítimas seria aparentemente desastrosa. Mas um exame detalhado desse processo pode indicar que mesmo os machos predados podem ganhar algo: esse comportamento suicida poderia assegurar a transmissão de seus genes para a prole. Seria, assim, um investimento parental extremo e uma forma de altruísmo masculino que garantiria o sucesso reprodutivo da espécie.
Deve-se levar em conta também que, em várias espécies, o ato sexual afeta os órgãos copulatórios masculinos e muitos machos não resistem a esses ferimentos ou tornam-se estéreis. É o que acontece, por exemplo, com os machos da aranhas Argiope aemula e Latrodectus hasselti. Por outro lado, machos de outras espécies – como a viúva-negra Latrodectus mactans – sobrevivem à cópula e podem fertilizar outras fêmeas.
Machos de Argiope aemula resistem fortemente quando capturados por fêmeas e podem chegar a perder algumas pernas para se defender. Contudo, vários dos machos sobreviventes se reaproximam da fêmea para tentar copular novamente e se tornam vítimas de suas parceiras sem opor resistência.
Esse comportamento peculiar pode estar associado com a necessidade desses machos ‘camicases’ de ter um período maior para a sua cópula ou, talvez, com uma tentativa deles de impedir o acesso de outros machos às fêmeas.
Já machos da Latrodectus hasselti (ou aranha-de-costas-vermelhas, como é chamada em inglês), por sua vez, dão saltos durante a cópula e acabam posicionando o seu abdome diretamente sobre as partes bucais das fêmeas que, assim, têm sua tarefa facilitada. Os machos predados pelas fêmeas não interrompem o processo de fecundação e permanecem no ato sexual por cerca de 10 a 15 minutos – aproximadamente o dobro de tempo de um macho que não foi predado.
Em algumas aranhas, o canibalismo sexual proporciona um ganho de peso significativo para as fêmeasEsse curioso ato masculino é vantajoso, pois diminui a probabilidade de novas cópulas femininas e gera uma proporção maior de ovos fertilizados do que os cruzamentos comuns. Obviamente, essas vantagens só são obtidas se o canibalismo ocorrer após a transferência do esperma.
Nessas duas espécies, os machos são bem pequenos e possuem apenas cerca de 2% do peso corporal de fêmeas. Assim, sua predação contribui muito pouco para o ganho de peso feminino ou para o desenvolvimento dos ovos. Por outro lado, em outras espécies, como nas aranhas de jardim Araneus diadematus, o canibalismo sexual proporciona um ganho de peso significativo para as fêmeas.

Escorpião e louva-a-deus

Escorpiões machos, por sua vez, picam e imobilizam temporariamente as fêmeas após a cópula. Os machos de aranhas construtoras de teias (Araneidae) e de aranhas saltadoras se aproximam apenas de fêmeas que estejam em período de muda – época em que o canibalismo não é possível – ou esperam para copular quando as fêmeas estejam se alimentando.
Machos de louva-a-deus podem copular mesmo depois de decapitadosAs fêmeas de louva-a-deus obtêm nutrientes essenciais para a manutenção de sua prole com a prática do canibalismo dos machos. As fêmeas da espécie Tenodera aridofolia sinensis, por exemplo, têm até 63% da dieta composta por machos. Essa dieta faz com que elas produzam cápsulas com ovos (ootecas) maiores e um número de ovos e prole mais elevados. Uma única ooteca pode atingir cerca de 30-50% do peso da fêmea, o que representa um tremendo investimento para esses animais.
Portanto, o canibalismo sexual parece envolver um balanço entre diversos fatores, como a agressividade das fêmeas, a qualidade nutricional e o tamanho dos machos, as estratégias defensivas masculinas e a fecundidade e a razão sexual nas populações envolvidas. Além disso, a presença e a facilidade de captura de outras presas devem também ser consideradas.
A contribuição de cada um desses fatores pode variar sutilmente em cada caso analisado, o que torna a análise deste jogo mortal entre machos e fêmeas extremamente complexa e sujeita a um intenso debate.

Jerry Carvalho Borges

Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras

            * Artigo na íntegra em Ciência Hoje On Line

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